A Ford encerrou a produção de veículos no Brasil, citando o “ambiente econômico desfavorável” e a “pressão adicional causada pela pandemia” de Covid-19 como principais razões.
Fábricas Fechadas
Três fábricas foram fechadas: Camaçari, na Bahia, onde eram produzidos os modelos EcoSport e Ka; Taubaté, em São Paulo, que produzia motores; e Horizonte, no Ceará, onde eram fabricados jipes da marca Troller. As duas primeiras encerraram suas atividades imediatamente, enquanto a última fechou até o quarto trimestre de 2021.
Como resultado, os modelos nacionais tiveram suas vendas interrompidas assim que os estoques se esgotaram. A Ford continuou vendendo carros no Brasil, mas eles foram importados, principalmente das unidades da Argentina e do Uruguai. Os novos modelos Transit, Ranger, Bronco e Mustang Mach1 foram vendidos no país.
A empresa garantiu que todos os clientes continuariam recebendo assistência de manutenção e garantia. No entanto, especialistas do setor automotivo previram uma forte desvalorização dos veículos que seriam descontinuados e uma possível falta de peças para eles.
Cerca de 5 mil empregos diretos foram perdidos, com o número podendo ultrapassar 12 mil, considerando os empregos indiretos.
A sede administrativa da montadora na América do Sul, localizada em São Paulo, foi mantida, assim como o centro de desenvolvimento de produto, na Bahia, e o campo de provas de Tatuí, em São Paulo.
Fim de Um Ciclo
A decisão da Ford marcou o fim de um longo ciclo no Brasil. A montadora foi a primeira a se instalar no país, em 1919, chegando a dar nome a uma cidade operária (“Fordlândia”, no Pará) e revolucionando o mercado com o conceito de SUVs compactos, como o EcoSport.
Além da crise econômica e da pandemia, a decisão da Ford também envolveu erros de gestão, dificuldade em se manter competitiva, transformações tecnológicas no setor automotivo e o “Custo Brasil” – conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que dificultam o ambiente de negócios no país.
Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, afirmou à BBC News Brasil que a decisão da Ford foi acertada, considerando a saúde financeira da empresa. “A Ford não está abandonando o Brasil, mas se readequando às circunstâncias de mercado, em parte pelos erros que ela própria cometeu. Acho que a decisão foi acertada, levando em conta a saúde financeira da empresa. Ela quer um crescimento mais sustentável”, disse Kalume Neto.
Participação em Queda
A decisão de encerrar a produção no Brasil fez parte de uma “reestruturação dos negócios na América do Sul”. Desde a crise econômica de 2013, a Ford América do Sul acumulou perdas significativas, e a matriz, nos Estados Unidos, vinha auxiliando financeiramente, o que não era mais sustentável.
O desempenho da Ford no Brasil vinha decaindo, com a montadora perdendo espaço para concorrentes asiáticas e sua participação no mercado caindo desde 2016. Em 2020, a Ford ocupou o quinto lugar no ranking das maiores montadoras do Brasil, com 7,14% de participação, atrás da General Motors, Volkswagen, Fiat e Hyundai.
Surpresa?
O anúncio da Ford não foi completamente inesperado. Em 2019, a empresa já havia fechado a fábrica de São Bernardo do Campo (SP), onde produzia caminhões e o modelo Fiesta. A Ford já tinha indicado que deixaria de produzir hatches e sedãs, concentrando-se em picapes, SUVs, esportivos e elétricos.
A Argentina surgiu como uma opção mais vantajosa para a produção, com custos mais baixos e maior expertise na fabricação de modelos de maior valor agregado, como a Ranger.
Repercussão
A decisão da Ford foi recebida com preocupação pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria), que destacaram a necessidade de medidas para reduzir o “Custo Brasil”.
O Ministério da Economia lamentou a decisão da Ford e afirmou que ela “destoava da forte recuperação observada na maioria dos setores da indústria no país”.
O vice-presidente Hamilton Mourão demonstrou surpresa com o anúncio, afirmando que “não é uma notícia boa” e que a Ford poderia ter esperado mais, considerando o tamanho do mercado consumidor brasileiro.
O presidente Jair Bolsonaro criticou a decisão da Ford, alegando que a empresa queria a continuidade de benefícios fiscais no Brasil, o que não seria mais sustentável. Ele destacou que a Ford recebeu subsídios ao longo dos anos e agora enfrenta maior concorrência, especialmente de fabricantes chineses.
A Ford continuará sendo uma opção viável para os consumidores brasileiros, desde que consiga adaptar seus produtos aos gostos e necessidades do mercado local.