Elon Musk: Como a China Ajudou a Tesla a se Recuperar

O bilionário Elon Musk visitou a China na semana passada para negociar com as autoridades locais a liberação do modo de autopiloto dos carros da Tesla nas ruas e estradas do país.

As ações da Tesla dispararam após relatos de que a empresa superou um obstáculo regulatório significativo na China ao fazer parceria com o gigante de buscas Baidu.

Musk fez uma visita surpresa para se encontrar com o primeiro-ministro Li Qiang, o segundo principal líder do país.

O acordo com o Baidu — divulgado pela imprensa, mas não confirmado oficialmente — aproximaria a Tesla de lançar sua tecnologia de condução autônoma na China.

Daniel Ives, analista da Wedbush, afirmou que esse acordo seria “um divisor de águas” para a Tesla. Ives comentou que a empresa enfrentava “uma enorme concorrência doméstica de veículos elétricos na China, juntamente com uma demanda mais fraca”.

O objetivo principal de Musk em sua viagem surpresa era convencer as autoridades chinesas a permitirem o uso do Full Self Driving (FSD) — o modo de piloto automático dos carros Tesla.

Com o FSD, robôs conseguem manobrar os carros ao estacionar e mudar de faixa durante viagens. O FSD está disponível apenas em alguns países — como os EUA — mas apenas parcialmente na China.

Além disso, a imprensa noticiou que Musk queria usar os dados coletados pela Tesla na China para treinar seus algoritmos no exterior.

A China é o segundo maior mercado da Tesla, mas a empresa americana vinha enfrentando crescente concorrência internacional de empresas chinesas. Outros fabricantes de automóveis, como a Xpeng, com sede em Guangzhou, estavam tentando competir com a Tesla, implementando funções de direção autônoma semelhantes em seus carros.

O mercado consumidor doméstico da China também estava em forte expansão. Comprar um carro elétrico podia ser mais barato do que um a gasolina, graças aos incentivos governamentais.

Nos últimos anos, a China se tornou um mercado crucial para as operações da Tesla, e as relações de Musk com as autoridades chinesas foram essenciais para ajudar a empresa a superar momentos financeiros difíceis. Ao mesmo tempo, o país também apresentava desafios para a multinacional americana.

O acordo com o Baidu, anunciado na semana passada, permitiria à Tesla avançar com sua tecnologia de direção autônoma na China.

Os serviços de mapeamento e navegação do Baidu ajudariam na tecnologia de condução autônoma da Tesla, incluindo estacionamento assistido. No entanto, essa tecnologia totalmente autônoma ainda precisava ser aprovada pelas autoridades chinesas.

Nem a Tesla nem o Baidu responderam a pedidos de entrevistas e comentários.

O preço das ações da Tesla subiu quase 12% com a abertura dos mercados nos EUA na segunda-feira, recuperando parte do valor perdido desde o início do ano. As ações da Tesla caíram mais de um quarto desde janeiro.

Desafios da Tesla

Há alguns anos, Elon Musk menosprezava os carros elétricos produzidos na China. Em 2011, uma jornalista mencionou a BYD — uma empresa chinesa que produzia carros elétricos mais baratos que a Tesla — e Musk riu.

“Você já viu os carros deles?”, perguntou Musk. “Eu não acho que eles tenham um ótimo produto. Acho que o foco deles é garantir que não morram na China.”

Ao longo dos anos, sua opinião mudou. Nos últimos três meses de 2023, a BYD superou a Tesla em número de veículos elétricos vendidos.

No domingo (28/4), durante sua viagem à China, Musk elogiou os fabricantes de automóveis chineses, dizendo que eram “as empresas automotivas mais competitivas do mundo”.

Atualmente, a tecnologia FSD é a grande aposta da Tesla, e a China se tornou um dos principais mercados onde a empresa tentava superar seus concorrentes.

O FSD foi lançado em 2020, mas as autoridades reguladoras estavam analisando de perto a nova tecnologia da Tesla.

Na semana passada, as autoridades americanas iniciaram uma investigação sobre um recall feito pela Tesla em dezembro de 2 milhões de veículos. A Administração Nacional de Segurança de Tráfego Rodoviário dos EUA (NHTSA) informou que houve pelo menos 13 acidentes com carros Tesla, incluindo uma morte e ferimentos graves, em que o autopiloto pode ter estado envolvido.

A NHTSA queria saber se o recall de dezembro abordou com sucesso as questões de segurança relacionadas ao sistema de assistência ao motorista da Tesla.

A NHTSA disse que, apesar dos requisitos para que os motoristas mantenham o foco na estrada e estejam preparados para assumir o controle a qualquer momento, os motoristas envolvidos nos acidentes “não estavam suficientemente engajados”. A análise da NHTSA foi conduzida antes do recall da Tesla, no qual a empresa prometeu resolver o problema.

O software da Tesla deve garantir que os motoristas estejam atentos e que o recurso seja usado apenas em condições apropriadas, como em rodovias, e não em ruas.

Musk prometeu há anos que os Teslas seriam capazes de atuar como “robotáxis autônomos”. Em 2015, ele disse que os Teslas alcançariam “autonomia total” até 2018. E em 2019, afirmou que a empresa teria robotáxis operando no ano seguinte.

Este mês, Musk afirmou que lançaria o robotáxi da empresa em agosto.

Os críticos acusam Musk de exaltar consistentemente as perspectivas de condução totalmente autônoma apenas para sustentar o preço das ações da empresa, que vinha caindo devido a diversos desafios: desde a queda na demanda por veículos elétricos em todo o mundo até a concorrência de fabricantes chineses mais baratos. Musk nega as acusações.

Como resposta, a Tesla cortou os preços de seus carros na China e em outros mercados para aumentar a demanda. O preço da tecnologia FSD caiu de US$ 15 mil no ano passado para US$ 8 mil este mês.

A Tesla relatou recentemente uma queda de 13% nas vendas automotivas, para US$ 17,3 bilhões nos primeiros três meses deste ano.

As vendas globais da Tesla caíram 9%, enquanto seus lucros despencaram para US$ 1,13 bilhão, em comparação com US$ 2,51 bilhões no mesmo período do ano passado.

Até agora, em 2024, o preço das ações da Tesla despencou 32%.

Como a China Pode Ajudar Musk?

A Tesla oferecia o FSD por assinatura na China há quatro anos, mas apenas parte dos recursos estavam disponíveis no país, limitando o sistema a operações simples, como mudança automatizada de faixa.

Entre os obstáculos estava a falta de autorização na China para que a Tesla utilizasse os dados coletados pelo seu sistema para treinar algoritmos de direção autônoma. Musk tentava obter aprovação oficial para transferir dados coletados no país para o exterior.

Durante uma reunião no fim de semana com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, Musk foi citado pela mídia estatal dizendo que a Tesla estava disposta a cooperar profundamente com a China para “alcançar resultados vantajosos para todos”.

Em resposta, Li disse a Musk que o mercado chinês “estaria sempre aberto a empresas com financiamento estrangeiro”.

A Tesla já havia tomado medidas para tranquilizar as autoridades chinesas sobre a implementação do FSD no país, incluindo o estabelecimento de um centro de dados em Xangai para processar dados sobre os consumidores chineses de acordo com as leis locais.

A implementação do FSD na China permitiria à Tesla competir com as empresas locais no maior mercado automobilístico do mundo.

A Tesla vendeu mais de 1,7 milhão de carros na China desde que entrou no mercado, há uma década, e sua fábrica em Xangai é a maior do mundo.

Segundo a agência de notícias Reuters, a implementação de FSD ilimitado poderia transformar o mercado chinês em um campo de batalha para recursos de assistência ao condutor mais baratos, intensificando uma guerra de preços que a Tesla desencadeou no início do ano passado, que atraiu mais de 40 marcas no país.

A China era fundamental na estratégia da Tesla para enfrentar seus problemas financeiros. As entregas de veículos da Tesla no primeiro trimestre caíram pela primeira vez em quase quatro anos. A empresa anunciou demissões de mais de 10% de sua força de trabalho global e reduziu os preços dos veículos nos principais mercados, incluindo EUA, China e Europa.

A China já havia desempenhado um papel semelhante no destino da Tesla no passado.

Na década passada, o governo chinês adotou um padrão inspirado na lei do Estado da Califórnia para incentivar a venda de veículos sem emissões de gases nocivos ao ambiente. Essa mudança foi feita diante das preocupações ambientais com o alto nível de poluição de cidades chinesas.

O sistema californiano e chinês encarecia a produção de carros a gasolina e diesel e barateava o custo de produção de carros elétricos, através da criação de créditos negociados em um mercado.

A mudança incentivou a Tesla a construir sua fábrica em Xangai, que é hoje a principal exportadora da empresa no mundo.

A China também teve papel importante para as vendas da Tesla durante a pandemia de covid, já que a fábrica de Xangai ficou fechada menos tempo do que as operações americanas durante os lockdowns.

No entanto, analistas apontam que a China também representava um perigo para as operações futuras da Tesla.

A chegada da Tesla na China ajudou a desenvolver uma rede de fabricantes locais de veículos elétricos que hoje em dia ameaçam a hegemonia da multinacional americana — com processos de produção mais baratos e investimentos vultuosos em novas tecnologias.